Terça-feira, 18 de Setembro de 2007

Há exactamente dois anos na Casa da Música ...

Fenther_Diamanda_03_red.jpg

                                                      (Imagem retirada da Internet)

A  controversa Diva Negra subiu ao palco.

Num ambiente de uma serenidade expectante, exactamente à hora marcada do dia 18 de setembro de 2005, entra firme e hirta aquela que é dona de um dos mais impressionantes aparelhos vocais que já me foi dado presenciar. Com um quase reprimido aceno de cabeça e o ténue esboçar de um sorriso, avança com marcadas passadas em direcção ao piano, certamente habituado a agonizar sob o  deslizar imperdoável de seus dedos aniquilantes. Sabia que, estando sentado no lugar 26 da fila D, após feliz desistência de alguém, uma vez que tinha bilhete para um lugar periférico de uma fila bem mais recuada, estava em posição confortavelmente estratégica de quase protagonizar um momento que já é inesquecível. Desde o momento da entrada até ao desaparecimento, estive sob um efeito hipnotizante que sublimou os meus sentidos e me fez esquecer a cadência da passagem continuada dos minutos. O vulcão  sentou-se e acomodou-se, optimizando a sua posição face ao instrumento acessório, o piano.  Suspenso, numa atmosfera de sepulcral silêncio, o público esperava ansiosamente pela eruptiva demonstração vocal que principiou de forma calma. "My world is empty without you" deu abertura à cratera que adivinhava expelir muito material viscoso. Uma bela melodia purificada, obedecendo por enquanto a um formato canção, que preparava terreno para o regurgitar magmático que se seguiria. Após a cantiga de amor preambular, Diamanda ataca furtivamente o piano que lhe responde energicamente, solta os primeiros e sonoros basaltos  da noite, toda uma panóplia ginasticada de gritos ensurdecedores, sussurros cavernosos, angústias vocais que infantilizam o maior genocídio, testa ao limite a capacidade auditiva do público ali presente. Pasmo perante elevada capacidade que nem parece humana e me deixa colado ao banco até ao fim. Abranda o tormento, soltando agora algumas pedra-pomes que atenuam os decibéis de semelhante fenómeno terrestre. O adormecimento temporário dá lugar depois a uma explosão de entranhas excessiva que martela o cérebro durante cerca de hora e meia. De quando em vez o vulcão engole significativas quantidades de água que parecem não arrefecer o seu cone. mas agravam a sua capacidade destrutiva. Termina drasticamente, ergue-se e abandona o palco, voltando três vezes mais, rendida aos sustentados aplausos de tão devoto público e finaliza brilhantemente com "See that my grave is kept clean". Finalmente sai mas, deixa no palco alguns minutos de energia suspensa, testemunha de que o terreno ali tremeu com a fúria e a revolta de um fenómeno vivo atormentado e ainda activo.

Tenho pena de não ter  podido compartilhar esta experiência com ninguém ...

A Diva Negra apresentou "La serpenta Canta" e "Defixiones, Will and Testament" ...

 

                                                                                                             Brama

 

 

música: Diamanda Galás
sinto-me:

publicado por Brama às 17:07
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1 comentário:
De Graduated Fool a 18 de Setembro de 2007 às 22:52
Adorei este texto, adorei ele.
Vulcanismo literário.


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