Situação A:
(conversa no café entre dois amigos professores E. e Z.)
E: _ Olha Z. desculpa lá, mas não percebo como é que o Miró é um
grande pintor, o que faz ele de tão espectacular, alguns dos
quadros são perfeitamente anedóticos, um fundo branco com
uma bola e um traço ou dois, isso é arte? Qualquer criança faz
isso sem grande esforço ou até melhor.
Z: _ Se não percebes arte mais vale estares calado, que só te
enterras. Como sabes, eu gosto muito do Miró e não aprecio
particularmente o Dali que tu tanto idolatras. Olha a F. até se
riu quando eu lhe disse a tua opinião sobre o Miró,
ela que perde imenso tempo a analisar os quadros do Miró e a
retirar deles informação. Nos do Dali nem repara, acha-os
elementares… e como sabes ela é professora de artes, ela
melhor que ninguém sabe do que fala, não te parece?!
E: _ Pois é a necessidade de ser diferente, gostava de perceber o
que têm os quadros do Miró que façam perder tempo e qual
é o trabalho de fazer uns traços sem nenhuma complexidade,
aleatoriamente … vermelhos ou azuis … se fosse uma criança
não tinha interesse, mas como é do Miró a coisa é logo muito
diferente, pois claro. E os quadros do Dali são elementares?!
Por favor …
Z: _ Ah…ok, então quer dizer que é uma questão de trabalho.
Os quadros do Dali dão mais trabalho a fazer, logo, são arte,
os do Miró são ridículos e como não dão trabalho, já não são
arte … por favor, que falta de sensibilidade artística. Arte é
então aquilo que dá mais trabalho?! Primeiro tens de perceber
o que é arte … e fica sabendo que o Miró iniciou-se como
outros pintores, consegue representar fielmente uma paisagem
se for esse o objectivo.
E: _ Então mais me ajudas, isso só agrava a situação, se ele de
facto podia representar fielmente por exemplo uma paisagem,
porque se fica por uns tracinhos e uns bonequinhos que
qualquer criança faz, porventura até escolhendo cores mais
bonitas?! Parece-me no mínimo absurdo, não te parece?!
Z: _ Não, claro que não ….ai, chega, cala-te de uma vez…a F.
explicava-te isso bem e arrumava com o assunto. O Miró
começou por desenhar por exemplo uma árvore, reproduzindo-
-a na perfeição, depois a pouco e pouco foi simplificando as
formas, até ao ponto de uma árvore ser por exemplo apenas
dois traços, entendes?! Simplificação das formas, porque ele
entendeu que a entidade árvore estava ali patente, simbolismo,
não necessitando para tal de mais do que dois traços apenas e
ele foi o pioneiro nessa corrente de expressão…mas afinal tu
acabas por dizer que até gostas de t-shirt’s com desenhos do
Miró … não percebo.
E: _ Poissss … gostava de ver essas árvores desenhadas na
perfeição.Nas t-shirt’s é diferente, acho que até fica estético…
Z: _ Ahhhh! Então concordas que é arte … ai homem pois, pois …
ninguém te entende.
(E assim ficou, cada um na sua … E. a achar que o Miró era
um desastre artístico … e Z. a achar que Miró é um pintor
a sério)
(Miró - imagem retirada da internet)
Situação B:
(conversa no Museu Centro de Arte Rainha Sofia em Madrid,
entre dois amigos, o professor E. e a socióloga C.)
E: _ Este quadro do Dali é absolutamente notável. Chega aqui C.
C: _ Sim, diz lá.
E: _ Olha bem para o quadro e diz-me o que vês.
C: _ Sabes que eu não tenho sensibilidade para a pintura, os
quadros doDali têm umas cores vivas e bonitas, vejo
bastantes pormenores interessantes, mas pronto isto é
surrealismo, sei lá … vejo coisas.
E: _ Vê agora o título, o que diz?
C: _ Diz, hummm, 'pera lá …diz “Homem Invisível”. Homem
Invisível?! Onde é que ele tá?
E: _ Exactamente … onde é que ele está! Se te afastares um
pouco e começares a abstrair-te dos diferentes pormenores
e observares o quadro no seu todo, vais começar a ver.
C: _ A ver o quê?
E: _ O homem porra, o que haveria de ser.
C: _ Ahhh! Exacto … cá está…espectacular! …o Dali era mesmo
um génio …
E: _ Vamos lá ver aquele branco ali mais ao fundo.
(...)
C: _ O que é isto? Isto é arte? Por amor de Deus, até é vergonhoso
isto estar num centro de arte conceituado como o Museu
Rainha Sofia (gracejos trocistas)
E: _ Sim, realmente um quadro enorme todo branco, que
desperdício, com quatro ou cinco pintas pretas lá em cima …
de quem é esta porcaria?
C: _ Pois sei lá…sabes que eu percebo pouco de pintura, aliás…
não tenho sensibilidade para isto…parece-me ofensivo para
os verdadeiros artistas…é que nem imagino o título desta
coisa.
E: _ Diz aqui J. Miró e o título é …”sem título” … muito original,
não achas?! (ironia)
C: _ Claro que é sem título, que disparate, nem ele sabia que título
dar a isto … a esta coisa …aposto que foi mais difícil arranjar
um título do que pintar o quadro.
E: _ Isto é um quadro?! Please … vamos ver aquele ali mais à
frente…
(os dois aproximam-se e olham espantados para um quadro
relativamente pequeno, rectangular em que, num fundo creme se
nota um relevo com algumas ramificações, de um tom um pouco
mais escuro, acastanhado, acompanhando horizontalmente o
quadro, assemelhando-se a uma bacia hidrográfica ou uma
centopeia, ou então, … com alguma imaginação, a uma coluna
vertebral muito ramificada)
C: _ Por amor de Deus …o que é isto? Ai … não tenho mesmo
sensibilidade para estas coisas. Tu já sabes que isto não me
diz nada…
E: _ Pois não consigo sequer imaginar o que possa ser, talvez o
título nos consiga esclarecer, que te parece?
C: _ Pois sei lá … mas a avaliar pelas últimas obras de arte,
deve ser totalmente inesperado, tipo “Cães à beira de um
ataque de nervos”, “Mulher violada num banco de esperma”,
"Rolas perdidas no vão da escada" ou, à semelhança dos
vinte quadros anteriores e para manter a originalidade,
“sem título”, que fica sempre bem em qualquer obra de arte
que se preze.
E: _ Aqui diz: J. Miró “Bando de pássaros a voar”…parece-te bem?
C:_ Acho extraordinário…podia estar aqui nas próximas gerações e
mumificar-me que nunca lá chegaria … por amor de Deus,
que falta de gosto, que pobreza … bem, tu também já sabes
que eu tenho pouca sensibilidade para isto, já te disse …mas
…”Bando de pássaros a voar” …onde é que ele está?! Bem,
ao menos é ecológico, já não é mau, tu sabes como eu gosto
de animais …
E: _ Mas se reparares bem, talvez faça algum sentido, repara como
os pássaros voam em bando no céu … é algo parecido ou
não?!
C. _ Sei lá se é ou não … talvez com muita imaginação …meu
Deus, até estou mal disposta com isto, tou cheia de calor,
sinto tonturas e dói-me a barriga … por amor da santa …
vamos embora que já vi o que tinha a ver.
( E assim foi, embora não tivessem os conhecimentos de arte
esperados, ambos concordaram na genialidade dos quadros
do Dali e lamentaram a infantilidade dos quadros do Miró)
(Dali - Imagem retirada da internet)
Situação C:
(conversa em casa entre o professor E. e dois amigos, uma crítica
de arte X. e um especialista em técnica de representação em
gravura A.)
E: _ Vocês que são especialistas em artes, ou nessa área,
expliquem-me por favor, porque eu ignoro…qual é afinal o
brilhantismo de J. Miró enquanto pintor?
X: _ Brilhantismo?! Qual brilhantismo? Isso nem faz sentido…é um
pintor que segue uma linha abstracta em grande parte das suas
produções, marcou um momento e mais nada … as suas
produções enquanto obras de arte não são de um particular
destaque, isto é, não são de relevar face a outros pintores na
mesma linha de expressão …embora em arte tudo seja
possível…claro …exactamente porque se trata de arte tudo é
criação, logo tudo depreende criatividade…em arte não
existem barreiras, caso contrário deixaria de ser arte.
E:_ Só estou a perguntar porque um amigo meu tem uma colega
professora de artes que adora Miró, perde imenso tempo a
analisar os seus quadros e menospreza Dali, acha-o primário
como pintor.
Eu não tenho os necessários conhecimentos de arte, mas isto
parece-me escandaloso, sobretudo quando olho para os quadros
de um e de outro … acho que as diferenças estão aos olhos de
toda a gente … parecem-me óbvias.
A: _ É assim, o próprio conceito de arte pressupõe essa liberdade de
expressão em que não há fronteiras à criatividade, de facto
tudo ou quase tudo pode ser arte e já não há muito por onde
inovar… já está praticamente tudo explorado … já nada
surpreenderá o suficiente.
Em relação a Miró, sou sincero … não gosto mesmo e até te
digo, se me oferecessem um quadro dele, o mais certo seria
colocá-lo num canto da casa, atrás do sofá ou assim, para não
ocupar espaço…de todo não o iria colocar na parede, porque
para mim, aquilo não representa nada, entendes? …posso
dizer-te que o meu pintor preferido, ou um dos, é Tapiez.
X: _ Exacto … em relação à comparação entre Miró e Dali, não há
espaço para discussão, primeiro porque uma coisa nada tem a
ver com a outra … são linhas díspares de actuação …
em relação a Miró estamos conversados. Em relação a Dali …
este é o expoente máximo do surrealismo, as suas produções
artísticas são notáveis e geniais, pois consegue passar para a
tela, expressar em formas, cores , texturas, um imbricado e
complexo mundo de códigos, volumes, que não pertencem à
dimensão que nós conhecemos como real, mas que é possível
antever perfeitamente no mundo paralelo dos sonhos e que
também é uma dimensão a considerar nas nossas vidas …
ele excede em capacidade criativa, em inteligência que passa
para a tela de uma forma naturalmente surpreendente e com
a ligeireza de um mestre, … aqui sim … podemos falar de
brilhantismo.
E: _ Pronto agora fiquei bem mais esclarecido … é mesmo isso que
eu penso … embora seja um leigo nestas coisas, claro …
( Miró - imagem retirada da internet)
Situação D:
A crítica de arte X relata ao professor E uma experiência que foi levada a cabo no sentido de aferir certos aspectos no que respeita ao próprio carácter de subjectividade e relatividade no campo do mundo artístico. Nesse sentido, numa aula com alunos do primeiro ciclo do ensino básico, foi pedido a alguns desses mesmos alunos que representassem o que lhes apetecesse numa tela que, a estes foi entregue. Esta actividade decorreria algum tempo da aula, sendo observada pelo professor respectivo.
Posteriormente essa mesma tela foi colocada numa reconhecida galeria de arte e submetida, entre outras obras, a análise atenta e rigorosa por parte de um conjunto de críticos de arte …
E de facto … a análise foi mesmo atenta e rigorosa … nenhum dos presentes questionou a falsidade da obra em análise, sendo que alguns deles imbuídos de uma luminosidade extrema, assim como dedicada seriedade profissional, avançaram com semelhanças óbvias entre aquela obra de arte e o trabalho de Pollock …..??????????
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