Terça-feira, 7 de Agosto de 2007

SUBJECTIVIDADE NA ARTE !

Situação A: 

(conversa no café entre dois amigos professores E. e Z.)

 

E: _ Olha Z. desculpa lá, mas não percebo como é que o Miró é um

       grande pintor, o que faz ele de tão espectacular, alguns dos

       quadros são perfeitamente anedóticos, um fundo branco com

       uma bola e um traço ou dois, isso é arte? Qualquer criança faz

       isso sem grande esforço ou até melhor.

Z: _ Se não percebes arte mais vale estares calado, que só te

       enterras. Como sabes, eu gosto muito do Miró e não aprecio

       particularmente o Dali que tu tanto idolatras. Olha a F. até se

       riu quando eu lhe disse a tua opinião sobre o Miró,

       ela que perde imenso tempo a analisar os quadros do Miró e a

       retirar deles informação. Nos do Dali nem repara, acha-os

       elementares… e como sabes ela é professora de artes, ela 

       melhor que ninguém sabe do que fala, não te parece?!

E: _ Pois é a necessidade de ser diferente, gostava de perceber o

       que têm os quadros do Miró que façam perder tempo e qual

       é o trabalho de fazer uns traços sem nenhuma complexidade,

       aleatoriamente … vermelhos ou azuis … se fosse uma criança

       não tinha interesse, mas como é do Miró a coisa é logo muito

       diferente, pois claro. E os quadros do Dali são elementares?!

       Por favor …

Z: _ Ah…ok, então quer dizer que é uma questão de trabalho.

       Os quadros do Dali dão mais trabalho a fazer, logo, são arte,

       os do Miró são ridículos e como não dão trabalho, já não são

       arte … por favor, que falta de sensibilidade artística. Arte é

       então aquilo que dá mais trabalho?! Primeiro tens de perceber

       o que é arte … e fica sabendo que o Miró iniciou-se como

       outros pintores, consegue representar fielmente uma paisagem

       se for esse o objectivo.

E: _ Então mais me ajudas, isso só agrava a situação, se ele de

       facto podia representar fielmente por exemplo uma paisagem,

       porque se fica por uns tracinhos e uns bonequinhos que

       qualquer criança faz, porventura até escolhendo cores mais

       bonitas?! Parece-me no mínimo absurdo, não te parece?!

Z: _ Não, claro que não ….ai, chega, cala-te de uma vez…a F.

       explicava-te isso bem e arrumava com o assunto. O Miró

       começou por desenhar por exemplo uma árvore, reproduzindo-

       -a na perfeição, depois a pouco e pouco foi simplificando as

       formas, até ao ponto de uma árvore ser por exemplo apenas

       dois traços, entendes?! Simplificação das formas, porque ele

       entendeu que a entidade árvore estava ali patente, simbolismo,

       não necessitando para tal de mais do que dois traços apenas e

       ele foi o pioneiro nessa corrente de expressão…mas afinal tu

       acabas por dizer que até gostas de t-shirt’s com desenhos do

       Miró … não percebo.

E: _ Poissss … gostava de ver essas árvores desenhadas na

       perfeição.Nas t-shirt’s é diferente, acho que até fica estético…

Z: _ Ahhhh! Então concordas que é arte … ai homem pois, pois …

       ninguém te entende.

 

      (E assim ficou, cada um na sua … E. a achar que o Miró era

       um desastre artístico … e Z. a achar que Miró é um pintor

       a sério)

      

Bleu II Art Print by Joan Miro

                                            (Miró - imagem retirada da internet)

Situação B:

(conversa no Museu Centro de Arte Rainha Sofia em Madrid,

 entre dois amigos, o professor E. e a socióloga C.)

 

E: _ Este quadro do Dali é absolutamente notável. Chega aqui C.

C: _ Sim, diz lá.

E: _ Olha bem para o quadro e diz-me o que vês.

C: _ Sabes que eu não tenho sensibilidade para a pintura, os

       quadros doDali têm umas cores vivas e bonitas, vejo

       bastantes pormenores interessantes, mas pronto isto é

        surrealismo, sei lá … vejo coisas.

E: _ Vê agora o título, o que diz?

C: _ Diz, hummm, 'pera lá …diz “Homem Invisível”. Homem

       Invisível?! Onde é que ele tá?

E: _ Exactamente … onde é que ele está! Se te afastares um

       pouco e começares a abstrair-te dos diferentes pormenores

       e observares o quadro no seu todo, vais começar a ver.

C: _ A ver o quê?

E: _ O homem porra, o que haveria de ser.

C: _ Ahhh! Exacto … cá está…espectacular! …o Dali era mesmo

        um génio …

E: _ Vamos lá ver aquele branco ali mais ao fundo.

                                  (...)

C: _ O que é isto? Isto é arte? Por amor de Deus, até é vergonhoso

       isto estar num centro de arte conceituado como o Museu

       Rainha Sofia (gracejos trocistas)

E: _ Sim, realmente um quadro enorme todo branco, que

       desperdício, com quatro ou cinco pintas pretas lá em cima …

       de quem é esta porcaria?

C: _ Pois sei lá…sabes que eu percebo pouco de pintura, aliás…

       não tenho sensibilidade para isto…parece-me ofensivo para

       os verdadeiros artistas…é que nem imagino o título desta

       coisa.

E: _ Diz aqui J. Miró e o título é …”sem título” … muito original,

       não achas?! (ironia)

C: _ Claro que é sem título, que disparate, nem ele sabia que título

       dar a isto … a esta coisa …aposto que foi mais difícil arranjar

       um título do que pintar o quadro.

E: _ Isto é um quadro?! Please … vamos ver aquele ali mais à

       frente…

 

(os dois aproximam-se  e olham espantados para um quadro

 relativamente pequeno, rectangular em que, num fundo creme se

 nota um relevo com algumas ramificações, de um tom um pouco

 mais escuro, acastanhado, acompanhando horizontalmente o

 quadro, assemelhando-se a uma bacia hidrográfica ou uma

 centopeia, ou então, … com alguma imaginação, a uma coluna

 vertebral muito ramificada)

 

C: _ Por amor de Deus …o que é isto? Ai … não tenho mesmo 

       sensibilidade para estas coisas. Tu já sabes que isto não me

       diz nada…

E: _ Pois não consigo sequer imaginar o que possa ser, talvez o

       título nos consiga esclarecer, que te parece?

C: _ Pois sei lá … mas a avaliar pelas últimas obras de arte,

       deve ser totalmente inesperado, tipo “Cães à beira de um

       ataque de nervos”, “Mulher violada num banco de esperma”,

       "Rolas perdidas no vão da escada" ou, à semelhança dos

       vinte quadros anteriores e para manter a originalidade,

       “sem título”, que fica sempre bem em qualquer obra de arte

       que se preze.

E: _ Aqui diz: J. Miró “Bando de pássaros a voar”…parece-te bem?

C:_ Acho extraordinário…podia estar aqui nas próximas gerações e

      mumificar-me que nunca lá chegaria … por amor de Deus,

      que falta de gosto, que pobreza … bem, tu também já sabes

      que eu tenho pouca sensibilidade para isto, já te disse …mas

       …”Bando de pássaros a voar” …onde é que ele está?! Bem,

      ao menos é ecológico, já não é mau, tu sabes como eu gosto

      de animais …

E: _ Mas se reparares bem, talvez faça algum sentido, repara como

       os pássaros voam em bando no céu … é algo parecido ou

       não?!

C. _ Sei lá se é ou não … talvez com muita imaginação …meu

       Deus, até estou mal disposta com isto, tou cheia de calor,

       sinto tonturas e dói-me a barriga … por amor da santa …

       vamos embora que já vi o que tinha a ver.

 

( E assim foi, embora não tivessem os conhecimentos de arte

  esperados, ambos concordaram na genialidade dos quadros

   do Dali e lamentaram a infantilidade dos quadros do Miró)

 

 

Galatea de las esferas, 1952 Lámina por Salvador Dali

                                                (Dali - Imagem retirada da internet)

 

 

 

Situação C:

(conversa em casa entre o professor E. e dois amigos, uma crítica

 de arte X. e um especialista em técnica de representação em

 gravura A.)

 

E: _ Vocês que são especialistas em artes, ou nessa área,

       expliquem-me por favor, porque eu ignoro…qual é afinal o

       brilhantismo de J. Miró enquanto pintor?

X: _ Brilhantismo?! Qual brilhantismo? Isso nem faz sentido…é um

       pintor que segue uma linha abstracta em grande parte das suas

       produções, marcou um momento e mais nada … as suas

       produções enquanto obras de arte não são de um particular

       destaque, isto é, não são de relevar face a outros pintores na

       mesma linha de expressão …embora em arte tudo seja

       possível…claro …exactamente porque se trata de arte tudo é

       criação, logo tudo depreende criatividade…em arte não

       existem barreiras, caso contrário deixaria de ser arte.

E:_ Só estou a perguntar porque um amigo meu tem uma colega

      professora de artes que adora Miró, perde imenso tempo a

      analisar os seus quadros e menospreza Dali,  acha-o primário

      como pintor.

      Eu não tenho os necessários conhecimentos de arte,  mas isto

      parece-me escandaloso, sobretudo quando olho para os quadros

      de um e de outro … acho que as diferenças estão aos olhos de

      toda a gente … parecem-me óbvias.

A: _ É assim, o próprio conceito de arte pressupõe essa liberdade de

       expressão em que não há fronteiras à criatividade, de facto

       tudo ou quase tudo pode ser arte e já não há muito por onde

       inovar… já está praticamente tudo explorado … já nada

       surpreenderá o suficiente.

       Em relação a Miró, sou sincero … não gosto mesmo e até te

       digo, se me oferecessem um quadro dele, o mais certo seria

       colocá-lo num canto da casa, atrás do sofá ou assim, para não

       ocupar espaço…de todo não o iria colocar na parede, porque

       para mim, aquilo não representa nada, entendes? …posso

       dizer-te que o meu pintor preferido, ou um dos, é Tapiez.

X: _ Exacto … em relação à comparação entre Miró e Dali, não há

       espaço para discussão, primeiro porque uma coisa nada tem a

       ver com a outra … são linhas díspares de actuação …

       em relação a Miró estamos conversados. Em relação a Dali

       este é o expoente máximo do surrealismo, as suas produções

       artísticas são notáveis e geniais, pois consegue passar para a

       tela, expressar em formas, cores , texturas, um imbricado e

       complexo mundo de códigos, volumes, que não pertencem à

       dimensão que nós conhecemos como real, mas que é possível

       antever perfeitamente no mundo paralelo dos sonhos e que

       também é uma dimensão a considerar nas nossas vidas …

       ele excede em capacidade criativa, em inteligência que passa

       para a tela de uma forma naturalmente surpreendente e com

       a ligeireza de um mestre, … aqui sim … podemos falar de

       brilhantismo.

E: _ Pronto agora fiquei bem mais esclarecido … é mesmo isso que

       eu penso … embora seja um leigo nestas coisas, claro …

 

 There Was a Little Magpie, 1928 Art Print by Joan Miro

                                                             ( Miró - imagem retirada da internet)

 

 

 

Situação D:

 

A crítica de arte X relata ao professor E uma experiência que foi levada a cabo no sentido de aferir certos aspectos no que respeita ao próprio carácter de subjectividade e relatividade no campo do mundo artístico. Nesse sentido, numa aula com alunos do primeiro ciclo do ensino básico, foi pedido a alguns desses mesmos alunos que representassem o que lhes apetecesse numa tela que, a estes foi entregue. Esta actividade decorreria algum tempo da aula, sendo observada pelo professor respectivo.

Posteriormente essa mesma tela foi colocada numa reconhecida galeria de arte e submetida, entre outras obras, a análise atenta e rigorosa por parte de um conjunto de críticos de arte …

E de facto … a análise foi mesmo atenta e rigorosa … nenhum dos presentes questionou a  falsidade da obra em análise, sendo que alguns deles imbuídos de uma luminosidade extrema, assim como dedicada seriedade profissional, avançaram com semelhanças óbvias entre aquela obra de arte e o trabalho de Pollock …..??????????

 

 La Metamorphose de Narcisse Póster por Salvador Dali

                                                          (Dali - imagem retirada da internet)

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publicado por Brama às 23:59
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